Matutar
Uma expressão que sempre me instigou.
Me despertava a curiosidade ver meus avós irem a um canto da casa, no quintal, na roça ou no jardim, para olhar o horizonte e “matutar”. Quando criança, perguntei o que estavam fazendo ali, me responderam “pensando na vida” e que eu “não fosse para lá agora”.
Entendi, ainda criança: a importância de refletir sobre a vida, que era preciso o silêncio e que a suposta solidão acompanhada dos seus próprios pensamentos era um cômodo que o horizonte abria a porta.
Admirava aqueles movimentos. O cotovelo do braço esquerdo dele apoiado sobre a mão direita com a palma virada para cima. A mão esquerda, por sua vez, fazia uma concha para abraçar a bochecha e acariciar aqueles pensamentos.
Por vezes, tinha os olhos dispersos dela olhando tudo à frente, mas não enxergando nada à frente. Não se estava ali. Apenas o corpo. A essência viajava por outra dimensão, ouvia um outro som, pensava em outros nomes. Viaja mais que aquele pássaro.
Matutava também numa cadeira envernizada embaixo de um puxador de telhas atrás da cozinha. Sentava-se próximo à sua ponta, os joelhos se encostavam e nele se apoiava um prato de feijão e farinha. Enquanto aquele bolinho delicioso era feito misturando os dois com suas mãos, eu silenciava não pela boca cheia, mas em respeito ao pensamento dela que estava longe. E a admirava.
Depois, fui aprender que se inventavam desculpas por matutar. Inventavam que era necessário sair para prender o gado, sair para soltar o gado, sair para olhar o terreno, sair para colocar água no cocho, sair para abrir a porteira para alguém entrar, sair para fechar a porteira para que ninguém mais entrasse.
Não. As desculpas não eram para sair. Era para entrar. Entrar em si. Alinhar os eixos. Visitar as saudades. Rezar. Pedir pela chuva. Pense nas bondades e nos males da alma. Lembrar do que fez bem feito e do que não deveria. Mas era preciso o silêncio e aquela solidão.
Mas se uma rede fosse armada, as histórias começavam. Do descanso do sol ao despertar das estrelas. Aqueles que matutavam no seu silêncio, adoravam contar seus causos na partilha. O olho daquele neto brilhava ouvindo as suas antologias.
Esse neto cresceu humildemente tudo, admirando suas avós e querendo ver esses movimentos diariamente. Em alguns momentos, ele queria engaiolá-los para que o tempo não passasse e eles ficassem ali eternizados. Engaiolar a certeza do amor, do carinho, da história bonita repetida um milhão de vezes, da cocada quentinha, do café doce, da água que curava qualquer doença, não pela água, mas por quem a oferecia, bastava dizer: “vai passar, meu amor”.
Esse matuto-neto de quatro matutos precisou morar longe e enxergava em si, todos os dias, um pedaço matuto dos outros quatro. Se orgulhava toda vez que os encontrava em si. Melhor, se orgulhava toda vez que se encontrava.
Porque na maturidade juvenil ele descobriu que não precisava engaiolar o amor. O passarinho nasceu para voar. E o amor também.
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Muito bom! Como é bom matutar!